segunda-feira, 20 de abril de 2009

Cada país tem sua miopia

Cada país tem sua miopia
Por quanto tempo mais vamos achar normal viver num país com poucos privilegiados?
Por Denis Russo BurgiermanRevista Vida Simples - 06/2008

O Brasil é um país míope. Ou talvez seja estrábico, não sei bem, não sou oftalmologista. O que sei, sem um cílio de dúvida, é que o Brasil tem algum defeito na vista. Tem coisas que, por mais que se apertem os olhos, ninguém enxerga. Fica lá o elefante, no meio da sala, trombando na cristaleira, melancia pendurada no pescoço, uma banda militar tocando marchinha nas costas dele, e ninguém nem percebe. Elefante, que elefante? Não tem nada aqui não.
[img1]E espera lá. Nem comece a me acusar de traição da pátria. ¿Ah, o sujeito vai morar na Califórnia e já vem olhando torto para nós que ficamos aqui trabalhando¿, você pode estar pensando. Não, nada disso. Eu estou é morrendo de saudade de vocês. E não estou aqui dizendo que o Brasil seja pior que o resto. O Brasil é míope (ou estrábico) mas não sei de país nenhum no mapa-múndi que esteja livre de algum problema na vista. Cada povo tem seus pontos cegos: aqueles defeitos horripilantes que ninguém vê, por mais que olhe. O que não significa que não devamos corrigir os nossos. Já ouviu falar em óculos?
Um dos maiores defeitos desse país é o jeito suicida e cruel pelo qual organizamos todo nosso sistema de educação. Vou resumir para você. Funciona assim: se você for rico, paga por uma escola boa no ensino fundamental; se for pobre, vai de graça para uma escola ruim. Aí, quando chega à faculdade, inverte. Os ricos têm faculdade boa de graça. Os pobres têm que pagar bem caro por uma faculdade ruim. Aí você reclama desse absurdo.
Assim não está certo. Vamos resolver. Que tal se os ricos, aqueles que podem, pagassem pela universidade? Vixe. Fala isso para ver o que acontece contigo. O país inteiro se mobiliza para defender o privilégio. Até o movimento estudantil, que teoricamente deveria estar interessado em democratizar a educação, em tornar as coisas mais justas, vai acusar você de querer ¿privatizar a educação¿. E assim a discussão fica paralisada, nada pode mudar.
Aí você vai olhar para a polícia brasileira. Implacável, violenta, assassina com os pobres. Submissa e corrupta com os ricos. E olha agora para a Justiça. Advogados no Brasil nem português falam. Falam uma outra língua, pontuada por palavras em latim.
Uma língua que os ricos entendem, e os pobres ficam boiando. Olha então para a imprensa brasileira: elitista, preconceituosa (quantos negros você viu em capas da revista ultimamente?), com mania de falar difícil para ser entendida só por meia dúzia. E a academia, a ¿intelectualidade¿, cheia de jargões, de termos incompreensíveis, de teses escritas para serem entendidas por quatro pessoas? E o governo? Complicado, burocrático, só funciona se você conhecer alguém que conhece alguém.
Para resumir: por quanto tempo mais a gente vai achar que é normal viver num país com poucos privilegiados e um caminhão de gente pisoteada? Por quanto tempo mais a gente vai fi ngir que não está enxergando?
Denis Russo Burgierman é jornalista e tem 1,5 grau de miopia. Mas usa óculos para corrigir. mundolivre@abril.com.br.
O Brasil é um país míope. Ou talvez seja estrábico, não sei bem, não sou oftalmologista. O que sei, sem um cílio de dúvida, é que o Brasil tem algum defeito na vista. Tem coisas que, por mais que se apertem os olhos, ninguém enxerga. Fica lá o elefante, no meio da sala, trombando na crista leira, melancia pendurada no pescoço, uma banda militar tocando marchinha nas costas dele, e ninguém nem percebe. Elefante, que elefante? Não tem nada aqui não.
Divulgação
Denis Russo Burgierman
E espera lá. Nem comece a me acusar de traição da pátria. ¿Ah, o sujeito vai morar na Califórnia e já vem olhando torto para nós que ficamos aqui trabalhando¿, você pode estar pensando. Não, nada disso. Eu estou é morrendo de saudade de vocês. E não estou aqui dizendo que o Brasil seja pior que o resto. O Brasil é míope (ou estrábico), mas não sei de país nenhum no mapa-múndi que esteja livre de algum problema na vista. Cada povo tem seus pontos cegos: aqueles defeitos horripilantes que ninguém vê, por mais que olhe. O que não significa que não devamos corrigir os nossos. Já ouviu falar em óculos?
Um dos maiores defeitos desse país é o jeito suicida e cruel pelo qual organizamos todo nosso sistema de educação. Vou resumir para você. Funciona assim: se você for rico, paga por uma escola boa no ensino fundamental; se for pobre, vai de graça para uma escola ruim. Aí, quando chega à faculdade, inverte. Os ricos têm faculdade boa de graça. Os pobres têm que pagar bem caro por uma faculdade ruim. Aí você reclama desse absurdo.
Assim não está certo. Vamos resolver. Que tal se os ricos, aqueles que podem, pagassem pela universidade? Vixe. Fala isso para ver o que acontece contigo. O país inteiro se mobiliza para defender o privilégio. Até o movimento estudantil, que teoricamente deveria estar interessado em democratizar a educação, em tornar as coisas mais justas, vai acusar você de querer ¿privatizar a educação¿. E assim a discussão fica paralisada, nada pode mudar.
Aí você vai olhar para a polícia brasileira. Implacável, violenta, assassina com os pobres. Submissa e corrupta com os ricos. E olha agora para a Justiça. Advogados no Brasil nem português falam. Falam outra língua, pontuada por palavras em latim.
Uma língua que os ricos entendem, e os pobres ficam boiando. Olha então para a imprensa brasileira: elitista, preconceituosa (quantos negros você viu em capas da revista ultimamente?), com mania de falar difícil para ser entendida só por meia dúzia. E a academia, a ¿intelectualidade¿, cheia de jargões, de termos incompreensíveis, de teses escritas para serem entendidas por quatro pessoas? E o governo? Complicado, burocrático, só funciona se você conhecer alguém que conhece alguém.
Para resumir: por quanto tempo mais a gente vai achar que é normal viver num país com poucos privilegiados e um caminhão de gente pisoteada? Por quanto tempo mais a gente vai fingir que não está enxergando?
Denis Russo Burgierman é jornalista e tem 1,5 graus de miopia. Mas usa óculos para corrigir. mundolivre@abril.com.br

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